O que o traçado eletrocardiográfico pode nos dizer sobre a saúde mental?

Dor no peito, palpitação, falta de ar e desmaios são sintomas de alerta para um possível problema cardiológico que pode ameaçar a vida das pessoas. Queixas que de fato merecem toda atenção e cuidado dos médicos.

Mas proponho aqui uma reflexão: Damos a mesma atenção à mente das pessoas? Os sintomas descritos acima existem em diversos transtornos mentais. Há casos de depressão que provocam dor no peito, existe ansiedade que causa falta de ar e palpitação e muitas síndromes psicogênicas causam desmaio.

Pessoas com problemas do coração têm mais chances de desenvolver transtornos mentais, como depressão, ansiedade, pânico e, até mesmo, estresse pós-traumático, bem como pessoas com esses transtornos mentais têm mais chances de adoecer do coração.

Digo mais, você sabia que o funcionamento de sua personalidade influencia sua saúde cardiológica? Pessoas com características muito agressivas ou nervosas (personalidade tipo A) e aquelas que apresentam muitos sentimentos negativos, mas inibem sua expressão (Personalidade tipo D), têm mais chances de desenvolver doenças coronarianas, acidente vascular cerebral e, inclusive, arritmias?

É comum ouvirmos alguém dizer "estou com dor no peito de tanta emoção", "morreu de desgosto", "levou um susto e não acordou mais" etc. Recentemente, lembro até do pai de uma atleta ter morrido de "ataque cardíaco fulminante" ao assistir pela televisão à sua filha ganhar a primeira medalha de prata do Brasil no tênis mundial de mesa paraolímpico. Faleceu da cabeça ou do coração? A resposta certa é sempre dos dois.

Coração e mente estão ligados pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA), este equilibra-se entre o sistema nervoso simpático e parassimpático. As mensagens vão da respiração, coração e outras áreas do corpo para o cérebro e vice-versa.

A verdade é que não se pode separar a saúde mental da saúde cardíaca. Ambas andam juntas - se uma não estiver boa, a outra também não estará. Por exemplo, um dos marcadores de estresse biológico da saúde física e mental é a variabilidade da frequência cardíaca (HRV), que mede o tônus do SNA, cujo padrão ouro de sua medida é feito pelo Holter de 24h. Pessoas com problemas cardiológicos podem apresentar alteração/diminuição da HRV, assim como pessoas com transtornos mentais.

O que dizer então do risco cardiovascular em pacientes que têm uma doença cardiológica crônica associada a um quadro depressivo? O que dizer da qualidade de vida dessa pessoa? Ademais, como garantir que uma pessoa deprimida esteja motivada o suficiente para modificar o estilo de vida e aderir adequadamente ao tratamento cardiológico proposto.

As respostas para as questões anteriores passam por uma abordagem médica integrativa. Por que o cardiologista pode deixar passar em branco o transtorno mental? Por que o psiquiatra pode negligenciar uma doença cardíaca de base?

Existe um descompasso na Medicina produzido lá atrás por Descartes quando ele separou, do ponto de vista filosófico, corpo e mente ao declarar "penso, logo existo" em 1633. Estamos navegando nesse equívoco ainda hoje.

Mas, inteligentes que somos e inspirados pelo fantástico neurocientista António Damásio em "O Erro de Descartes, Emoção, Razão e Cérebro Humano, de 1994, podemos pensar, rever, aprender e corrigir condutas que antes tínhamos como verdadeiras.

Por que não podemos utilizar os métodos diagnósticos eletrofisiológicos tradicionais para investigação de problemas cardíacos, como é o caso do Holter, por exemplo, para tentar descobrir se existe um problema de saúde mental subjacente?

Dor no peito, palpitação, falta de ar, desmaios são queixas cardiológicas e/ou psiquiátricas. Na maioria das vezes, os diagnósticos coexistem e poderiam ser percebidos precocemente, em um único momento.

Como isso?

Podemos combinar tecnologia, inteligência artificial e conhecimento clínico para achar a solução. Na minha cabeça e nos meus estudos, isso será possível com a tecnologia que temos desenvolvido na Quoretech.

O que o traçado eletrocardiográfico captado em nossa nova técnica de Holter/Looper pode nos dizer sobre a saúde mental? Poderemos identificar casos de depressão, ansiedade e outros problemas psiquiátricos nos pacientes que sofrem de doenças cardíacas e que estão com o dispositivo QuoreOne no peito?

Acredito que sim! Estamos evoluindo na tecnologia e nos estudos - tudo me parece bem viável. Caso tenhamos sucesso, conseguiremos abordar, de uma única vez, os dois grupos de doenças (mentais e cardiovasculares) que mais causam morbidade e mortalidade no mundo.

Infelizmente, Descartes não estará mais aqui para presenciar essa reintegração do corpo à mente. É bem provável que, para o bem da saúde, seja uma simples questão de tempo para nós médicos, pacientes e o próprio Damásio, sejamos testemunhas dessa realidade.